Morena Herrera: Desafiando a proibição total do aborto em El Salvador



O parlamento de El Salvador fez finalmente justiça a Guadalupe Vásquez, que cumpria uma pena de 30 anos de prisão por ter sofrido um aborto espontâneo, ao aprovar seu indulto – há muito tempo pedido. Esta decisão deve agora servir de precedente para as outras 16 mulheres que permanecem presas devido à injusta e cruel penalização total do aborto no país e abrir a porta à necessária mudança da lei.

Há pouco mais de uma semana, as autoridades salvadorenhas se recusaram a dar aval ao perdão a Guadalupe Vásquez. Mas em uma nova votação, realizada ontem em El Salvador, a petição submetida ao parlamento foi aprovada e seguirá agora para o presidente, Salvador Sánchez Cerén, para ratificação, um passo que ativistas julgam que decorrerá sem atribulações.

É preciso continuar a pressão, entre em ação pelas mulheres e meninas de El Salvador!

Uma das maiores defensoras de Guadalupe Vásquez é Morena Herrera – figura de destaque na luta pela liberdade em El Salvador, feminista e ativista dos direitos sexuais e reprodutivos – que aqui explica as razões porque a penalização total do aborto naquele país tem de ser anulada.

“Fui comandante da guerrilha. Fui ativista pelas mudanças sociais desde muito nova”, recorda. E mesmo quando a guerra civil terminou em El Salvador, em 1992, e foram assinados os acordos de paz, ela soube que a luta estava longe de terminar. “Os acordos deixaram lacunas enormes no que toca aos direitos das mulheres. Percebi que tinha de lutar de outras formas. Os direitos das mulheres são direitos humanos e têm de ser uma prioridade”, sustenta.

Desde 2009, Morena Herrera luta dessas “outras formas”, através da associação que lidera – o Agrupación Ciudadana por la Despenalización del Aborto (Grupo de Cidadania pela Despenalização do Aborto). Um dos casos defendidos por esta associação foi Beatriz, que quase morreu por lhe ter sido negado terminar uma gravidez inviável que ameaçava sua vida; outro é o do grupo de 17 mulheres, ainda contando com Guadalupe, que atualmente recorrem das condenações que foram pronunciadas contra elas por “delitos” relacionados com a gravidez.

Todas estas mulheres tiveram suas vidas devastadas pela penalização total e brutal do aborto em El Salvador.

Ácidos e ganchos

Não foi sempre assim. Antes de 1997, a interrupção da gravidez era permitida em três casos excepcionais: de risco de vida da grávida, violação e anomalias fetais.
“Nesses tempos, era possível fazer um aborto em segredo e não se era acusada nem presa. Algumas mulheres usavam ácidos e ganchos para abortarem, porque o aborto era ilegal à exceção daqueles casos. Porém, quando as coisas corriam mal, essas mulheres podiam ir ao hospital e receber tratamento sem medo de serem detidas”, conta Morena Herrera.

Depois de 1997, porém, a reforma do Código Penal salvadorenho consagrou a penalização total e absoluta do aborto, do que resultou um intensificar da cultura de incriminar e criminalizar as mulheres.

“E agora as mulheres que vão aos hospitais com hemorragias na sequência de um aborto espontâneo são imediatamente acusadas”, frisa a líder do Agrupación Ciudadana por la Despenalización del Aborto. “Sem sequer uma investigação dos fatos, estas mulheres são acusadas. Em alguns casos, o delito de aborto é até mudado para homicídio agravado. E aí as sentenças são draconianas, de 30 anos, até mesmo 50 anos de pena de prisão”.

Escolhas impossíveis

Neste cenário, Morena Herrera reconhece que o trabalho da sua associação é muito difícil.
“Um dia recebi um telefonema. Era uma estudante que estava no banheiro de uma escola, com uma hemorragia. Pedi a uma colega que a levasse a um hospital privado. Ela tinha sido violada nas imediações da universidade [e engravidado], mas não contou a ninguém. Tomou umas cápsulas feitas de soda cáustica, que lhe destruíram as paredes das artérias – mas continuava grávida. Para nós, este é o dilema: preferimos ver esta pessoa morta ou na prisão? É esta a realidade que vivemos todos os dias. É arrasador”, descreve.

A gravidez indesejada é uma realidade dolorosa para muitas mulheres e jovens em El Salvador. Como Morena Herrera salienta, em 36% dos nascimentos registrados em hospitais as parturientes têm entre 9 e 18 anos. Sem uma educação sexual adequada, com acesso muito limitado a contraceptivos e a proibição total do aborto, as jovens são deixadas sem nenhuma outra saída – a não ser a dos abortos clandestinos (35.000 por ano) ou do suicídio (com uma taxa de 57% das mortes durante a gravidez).
“Tenho quatro filhas, três delas de pais diferentes. Conheço bem a aflição que se sente quanto ficamos grávidas sem desejar. Só com a minha quarta filha fiz uma escolha consciente. E é assim que todas as crianças devem vir ao mundo”, conta a ativista.

Desafios

Morena Herrera e as outras ativistas no Agrupación Ciudadana por la Despenalización del Aborto enfrentam uma série de desafios legais, mas também muitos sociais.
“As pessoas dizem que estamos cometendo um crime por sensibilizarmos a opinião pública para este problema, por darmos apoio às mulheres e por defendê-las. Nós respondemos dizendo que estamos lutando para que uma lei injusta seja mudada. Isto não pode ser ilegal. Não aceitamos isso”, garante.
“Já recebemos ameaças e foram difundidas algumas histórias nos jornais e na televisão que eram extremamente estigmatizantes”, conta Morena Herrera.

É aqui que a Anistia Internacional pode desempenhar um papel positivo. “Quando a [missão da] Anistia esteve em El Salvador e foi lançado o relatório [“À beira da morte: a violência contra a mulher e a proibição do aborto em El Salvador”] isso nos deu alguma paz de espírito. Vimos que não estávamos doidas, que temos o apoio de outros. O mais importante é que a Anistia Internacional consiga fazer com que outros governos ouçam este apelo para que pressionem as autoridades de El Salvador. As nossas vozes nem sempre são ouvidas, isso nos ajudaria muitíssimo”, explica a ativista.

Sucessos

Entre os muitos contratempos, há sempre alguns sucessos. Morena Herrera recorda a primeira mulher que o grupo que lidera ajudou a libertar:
“Era a mãe de três crianças que tinha sido condenada a 30 anos de prisão. Descobrimos o caso dela num artigo que tinha sido publicado no [jornal norte-americano] New York Times e começamos a investigar. Como tenho o mesmo sobrenome que ela, consegui visitá-la na prisão como se fosse uma familiar. E foi aí que me contou o que lhe acontecera. Examinamos o processo e com a ajuda de médicos forenses da Argentina, Guatemala e Espanha, conseguimos demonstrar que houvera um erro judicial no julgamento. Passamos quatro anos fazendo campanha por sua libertação”.

Quando aquela mulher foi finalmente libertada, Morena Herrera ficou felicíssima. “Andei três dias sorrindo. Foi muito gratificante. E, passado algum tempo, ela também se tornou ativista e começou a defender os direitos de outras mulheres”, conta.

Não deixe que mais mulheres passem pelo que Guadalupe passou. Atue agora pelas mulheres e meninas de El Salvador!


Fonte: Anistia Internacional 
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