“Sou coronel inativo na Polícia Militar, onde trabalhei por 33 anos, fui chefe do Estado-Maior Geral da PM e comandei batalhão, sempre com aquela ideia de que nós precisávamos combater os traficantes e, principalmente, os usuários. Percebi que o trabalho que nós fazíamos era como enxugar gelo. E eu pergunto: para quê? Por que tanta gente morta? Qual é a finalidade disso?”, conta o coronel reformado da PM Jorge da Silva.
Maria Lúcia Karam, juíza aposentada e presidente da LEAP Brasil
“O proibicionismo é um modelo
macabro, que produz mortes principalmente de pessoas pobres, que não têm
voz e morrem como baratas no Brasil inteiro”, afirmou, em 24/11, durante o seminário “Drogas: Legalização + Controle”, uma iniciativa da Leap Brasil e do Fórum Permanente de Direitos Humanos da Escola
de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Para Silva, legalizar não
significa liberar. “Liberado é como está hoje. Nossa proposta é
legalizar sob o controle do Estado, e não do mercado mundial de drogas”,
afirma.
Segundo Zaccone, a LEAP Brasil possui,
hoje, 236 membros, dos quais 167 são policiais, a maioria deles na
ativa. A entidade está presente em 21 estados brasileiros e no Distrito
Federal, e conta com 1250 apoiadores. “Nós defendemos a legalização de
todas as drogas. E sabem por quê? Porque nós somos ‘maus’”, ironizou
Zaccone. “E somos ‘maus’ porque os ‘bons’ têm produzido um dos maiores
genocídios da História”, completou.
Mãos sujas
“Estou muito cansado de ver policiais morrendo”, afirmou o detetive inspetor Francisco Chao,
que atua há 19 anos na Polícia do Rio, com passagem por unidades como a
Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) e a Delegacia de Repressão a
Entorpecentes (DRE). “Eu gostaria muito, antes de me aposentar na
polícia, e faltam dez anos, de ver o fim da insanidade dessa guerra, que
não interessa à polícia e nem à sociedade.”
Chao, que fez uma participação no filme
“Tropa de Elite 2”, contou que a guerra às drogas do mundo real é muito
diferente do cinema, e não só porque “sangue cenográfico não fede”, mas
principalmente porque a violência e a corrupção apagam as fronteiras
entre mocinhos e vilões. “O informante da droga a gente não encontra na
igreja. Ele é um informante sujo, e não tem como mexer com sujeira sem
sujar as mãos.”
Para o delegado Thiago Luís Martins, que
durante três anos atuou na Delegacia de Combate as Drogas (DCOD) do
Rio, o modelo proibicionista está na raiz dos abusos cometidos pelas
polícias contra os moradores de favelas e periferias, embora o discurso
oficial prefira culpar os indivíduos. “Quando a polícia mata um
trabalhador, esse discurso parte da ideia de que o problema não é da
política de combate às drogas, mas, sim, de um policial bandido que está
na corporação, o que não é verdade”, afirmou.
A causa, segundo Martins, está numa
segurança pública que opera pela lógica da guerra. O delegado afirma que
o estresse dos confrontos é tão grande que há casos de policiais que
“surtam” e disparam contra os próprios colegas. “Em tiroteio na favela,
ninguém sabe quem atirou em quem”, disse. “A morte de inocentes, o
policial que perde a noção na hora do combate e acaba se excedendo, são
fenômenos produzidos pela guerra.”
Falando sobre as origens do
proibicionismo, Martins disse que a separação entre drogas lícitas e
ilícitas não se baseou em critérios científicos, e, sim, em
preconceitos. O modelo proibicionista adotado pelo mundo nasceu nos
Estados Unidos, onde, a partir dos anos 20, o governo passou a proibir
substâncias associadas, no imaginário americano, a grupos sociais
marginalizados: a maconha, relacionada aos mexicanos, o ópio, aos
chineses, e a cocaína aos negros. “O racismo, a discriminação e o preconceito orientam a política antidrogas desde o seu início”, afirmou.
Em outros países
Também participaram do debate, entre outros, a médica Raquel Peyraube,
assessora do Instituto de Regulação e Controle da Cannabis, órgão do
governo uruguaio responsável pela política de regulação do mercado de
maconha do país, e o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, que falou sobre a experiência portuguesa com a descriminalização de todas as drogas.
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