Entre os Escombros do Insustentável


Com a morte da sustentabilidade a humanidade ganha a oportunidade de substituir a liquidez das relações por uma nova percepção de mundo, novos modos de pensar e de viver harmoniosamente.

O ano é 2015... Tal número parece apropriado para um tempo de história de ficção científica, algo sobre um futuro distópico, envolvendo uma terra árida e uma civilização em vias de extinção... E talvez, porque ficção e cinema são produtos tão presentes nesta minha São Paulo natal, estamos imersos, eu e os cidadãos desta metrópole, em uma atmosfera de suspensão da descrença. Predomina a sensação de que o filme chegará ao fim, de que vamos sair da sala de projeção para a rua e ver que o mundo real continua igual. Queremos acreditar que a verdade está lá fora. Mas, não será simples assim...

O que parece ficção é real, embora como em Arrakis – o planeta-deserto, apresentado por Frank Herbert em Duna, sua obra clássica de 1965, filmado por David Lynch em 1984 –, a água está prestes a se tornar moeda de troca enquanto fanáticos religiosos permanecem adorando um gigantesco verme que vive disfarçado sob areias e tudo devora.

Explico: vivemos sob uma compreensão de sustentabilidade que não se sustenta e somos vítimas de uma retórica corporativa que se prolonga, mas não se justifica. São Paulo e toda a região sudeste do Brasil – o país dono da maior parte da maior floresta tropical em extinção do planeta, a Amazônia, e das águas que correm por ela em seu território – estão em vias de se tornar deserto, enfrentando uma crise hídrica sem precedentes.

Não houve consciência ecológica sustentável que priorizasse o entendimento de que a preservação da Amazônia é da maior importância para o equilíbrio climático do planeta. Enquanto de 1550 a 1970 o desmatamento não ultrapassou 1% de toda a Amazônia, nas últimas quatro décadas a extração e o agronegócio levaram ao desmatamento de 18% da floresta brasileira, chegando a 28% entre 2012 e 2013.



Exploração de recursos naturais em grande escala e impacto ambiental caminham de mãos dadas. O conceito de sustentabilidade tem justificado este vínculo conflituoso por meio do emprego de um conjunto de técnicas que atrasam o desenvolvimento humano e ameaçam levar a civilização à extinção.
O termo “sustentar” significa manter continuadamente. No atual contexto socioeconômico, manter os níveis de exploração de recursos e manter o meio ambiente, minimizando impactos de forma a garantir as melhores condições de vida para as gerações presentes e futuras.

Responsabilizadas pelos impactos sofridos pelo meio ambiente e informadas sobre as graves consequências a serem percebidas na alteração do clima do planeta, ao longo das últimas décadas as corporações aderiram a técnicas sustentáveis de extração e industrialização de recursos, estocagem, comercialização, transporte e distribuição de produtos. Adotaram a governança e a transparência, aperfeiçoaram suas imagens institucionais por meio do comprometimento com programas de responsabilidade social e ambiental, do marketing social e de causas. Assim, conquistaram a confiança dos consumidores e garantiram lucratividade. Porém, há contradições mal-disfarçadas neste sistema.

A sustentabilidade limita a criatividade, a percepção e a criticidade do público quanto às formas de produzir e viver, por meio de uma comunicação pragmática, voltada primeiramente para a manutenção da lucratividade e não para o desenvolvimento humano. Mantém os modos de pensar atados ao modo de produção industrial e à vida pautada pelo consumo.

Pelo discurso, as empresas sustentáveis criam e alimentam o deus capital e a deusa mercadoria, ou seja, a crença de que o único caminho para a solução de todos os problemas é o acúmulo de valores financeiros e a compra de produtos e serviços. Mas, a manutenção da produção em escala industrial favorece a manutenção de níveis inadequados de consumo e, embora diminua os impactos ambientais não os elimina. Os estragos, no máximo, são adiados.


Entre a aparência de eficácia da sustentabilidade e seus resultados há um abismo. Destruição de florestas com sua fauna e flora, poluição do ar, alterações climáticas, relações humanas desgastadas... No Brasil o abismo começa a se mostrar seco como as areias de Arrakis, o da ficção, num pesadelo cujo fim está distante... Mas, a crise hídrica brasileira prova que a sustentabilidade é um conjunto de técnicas e práticas que não atingem o objetivo último de promover a conscientização para a manutenção da vida humana em harmonia com o ecossistema.

O que há de bom no fundo do abismo é que com a morte da ilusão chamada sustentabilidade a humanidade ganha uma chance de reverter o atual quadro de insatisfações e reconstruir-se em meio ao caos. Para defender seu direito de existir a humanidade deve desenvolver novas percepções de mundo, uma nova era com novo emprego das tecnologias e novas relações humanas, ou estará fadada à extinção.


A Terra exige a transformação dos modos de pensar e viver, a adoção de novos hábitos não poluentes, atuações e relações humanas mais éticas e solidárias. Exige ações conscientes e não intenções que não se cumprem. Cada homem e mulher, pressionados pelo planeta que exploram, são desafiados a transformar-se a partir de dentro, de seu íntimo, para criar novos valores éticos, novas formas de produção familiar, criativa e solidária, uma nova espiritualidade que envolva o respeito pela biodiversidade e interação com ela, e um pacto global que nem precise de assinaturas em folhas de papel tão verdadeiramente intrínseco seja.

Fonte © obvious: http://lounge.obviousmag.org/mensagem_na_garrafa/2015/01/entre-os-escombros-do-insustentavel.html#ixzz3R7OEViJp
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