João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava
Joaquim, que amava Pedro, que amava Júlia, que amava todo mundo. Para os
adeptos do poliamor, essa frase, inspirada no poema de Carlos Drummond
de Andrade, faz todo sentido.
Amar sem amarras várias pessoas ao mesmo tempo quase que extingue o
ciúme e a ideia de exclusividade. A concepção é abordada pela escritora e
psicanalista
Regina Navarro Lins, em
“O Livro do Amor” (volume 1 e 2) e
“A Cama na Varanda”. No discurso, a escritora acredita que as relações poliamorosas são as que predominarão com o tempo.
Na prática, esse tipo de relação já acontece. Em Fortaleza, a
redação web da Rádio Verdes Mares encontrou gente que decidiu viver o
poliamor, apesar do
preconceito enraizado na sociedade cearense. Carmen Lúcia*, Batista* e João Paulo* contam como é amar mais de um ao mesmo tempo.
Para Carmen, o poliamor permite amar livremente, saindo da ideia do
comodismo romântico.
“Poliamor é usufruir ao máximo de sua liberdade física e emocional. Fui
traída
quando adolescente e, já naquela época, notei que o que me magoava não
era o fator físico, mas, sim, a quebra de confiança. Me dei
liberdade de explorar e notei que me sinto melhor quando estou com alguém por querer, não por algum contrato invisível de
fidelidade. Esse comodismo romântico sempre me incomodou”, declara a professora de
22 anos.
Já Batista conseguiu perceber que o amor não está necessariamente ligado
a um só relacionamento amoroso e sexual. “Reparei que amava mais de uma
pessoa como amigo, então, certamente poderia amar
além da amizade mais de uma pessoa também”.
Batista, entretanto, acredita que é necessário
tempo
para que a ideia de relacionamento poliamoroso se desenvolva. “Precisa
de tempo para se desenvolver, por isso, estando em um namoro inicial,
precisei da
compreensão do meu companheiro sobre a existência de um
terceiro adentrando minha vida e na dele também”, revela a estudante de publicidade de 19 anos.
Para ela, amor não é algo palpável, contável ou controlável. “Ele simplesmente existe, e se existe que venha para
somar à vida e para compartilhar coisas boas com os envolvidos”.
Segundo especialista, possuir vários parceiros é ruptura da cultura ocidental
O psiquiatra Antônio Mourão avalia que, na
sociedade ocidental, relacionamentos poliamorosos são, na maioria, reprovados. “Na cultura ocidental, mais precisamente
cristã, não é admitido um homem possuir diversas mulheres ou uma mulher possuir diversos homens. Quando isso acontece, significa uma
ruptura da norma social. E sempre que acontece ruptura, é tido como
censura, uma coisa errada,
reprovada”, explica.
Para ele, alguém que se submete a isso tem medo de que não dê certo e é a partir daí que surge a história do
ciúme. “Em
relacionamentos homoafetivos,
por exemplo, a admissão da poligamia também é extremamente reprovada.
Eles guardam um padrão desta cultura [ocidental cristã]”.
Carmen sabe bem como é isso e reprova o ciúme. “Sempre detestei
sentir ciúmes, e no processo de desconstrução, notei que nada mais é
além de uma mistura entre insegurança e possessividade. As pessoas se
convencem de que é uma demonstração de amor, mas só vejo malefícios e
por isso nunca me adequei”, expõe.
Batista vai além. “É preciso que se entenda que cada pessoa é uma
unidade com suas particularidades. ‘Ninguém é de ninguém’, falando assim
parece vulgar, mas não, é fato. Respeito, lealdade, companheirismo
quando de fato existem estão muito acima de qualquer sentimento de
posse. Em qualquer relação de seres humanos deve existir a soma, o
acréscimo na vida de todos os envolvidos, a partir do momento que se
subtrai, há de se refletir se ainda vale a pena”.
João Paulo, que namora uma mulher comprometida, escolheu estar na
relação e acredita que o ciúme pode até ajudar. “Existem situações em
que o ciúme ajuda com uma leve apimentada, entretanto, pode ser caótico
dependendo do temperamento dos lados da equação”.
Em relação à sociedade aceitar a ruptura citada pelo psiquiatra, João
entende que não é uma tarefa fácil. “Acredito que seja um quadro em
constante mudança por conta de uma
quebra de paradigmas muito delicada”, declara o analista de mídias sociais de 21 anos.
O psiquiatra acrescenta que o
medo de ser trocado por
outra pessoa faz com que o poliamor seja ainda mais reprovado. “O que
não é permitido, na realidade, não é o poliamor, mas o sentimento de que
você está sendo traído. O sentimento de que a pessoa está sendo
enganada por aquele que diz que o ama. Isso gera mais sofrimento do que o
próprio relacionamento em si”, compara Mourão.
Dificuldade de aceitação da sociedade fortalezense atrapalha
A relação de Carmen Lúcia com namorado não precisou de regras para
que o relacionamento fosse construído. “Namoro um rapaz maravilhoso.
Sempre concordamos nesses pontos e construímos nosso relacionamento em
volta disso. Nunca necessitamos ditar regras específicas: amor,
honestidade e bom senso sempre nos bastaram”.
A maior dificuldade, no entanto, é desprender da opinião alheia.
“Minha maior dificuldade no momento é ir cada vez mais me desprendendo
da opinião alheia. Tive de aceitar que de um jeito ou de outro, as
pessoas vão falar: ou eu sou chifrada ou meu namorado é corno, ou eu não
o amo mesmo ou ele não se importa comigo. As pessoas não ligam para as
entrelinhas e é meio inútil tentar combater isso”, confessa Carmen.
Para Batista, quem é criado na sociedade de Fortaleza e se relaciona
com várias pessoas vai ter muita dificuldade de aceitação, mas acredita
que isso mude, pois muitos jovens já se encontram nessa realidade.
“Nasci e fui criada em Fortaleza e sempre me senti um peixe fora d’água
em muitos aspectos. Ainda é um estado bastante
machista e
patriarcal.
Mas tenho esperança que, com o decorrer dos anos, este cenário mudará,
pois tenho certeza que não sou a única jovem compartilhando da ideia de
ter
liberdade de ser feliz”.
João Paulo finaliza: “Não me preocupo com aceitações ou rótulos. Essa
indiferença e leveza foram algo que um relacionamento do tipo me
proporcionou. O
amor é o que permite respeitar, se importar, dar de si o melhor”.
*Os personagens para esta matéria são pessoas reais, mas com nomes fictícios por escolha destes
Fonte: Verdinha
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