COMO A PORNOGRAFIA GAY AJUDOU A CONSTRUIR O MOVIMENTO LGBT


Em 2002, o pornógrafo Chuck Holmes teve seu nome colocado numa placa no San Francisco LGBT Center, e a revolta pública veio rapidamente. Os insatisfeitos consideraram o gesto – em reconhecimento da doação de 1 milhão de dólares do falecido milionário gay para o centro numa situação difícil – “insano”, temendo que isso não faria mais que alimentar as alegações dos movimentos de direita quanto à obsessão da comunidade gay com o sexo. O que esses críticos não compreendem, e o que continua sem ser compreendido dez anos depois, é o papel que pornógrafos como Holmes tiveram na construção do movimento LGBT que nós conhecemos hoje.

Há muitos anos eu decidi fazer um documentário sobre Holmes, Seed Money(“Capital Inicial”, em tradução livre), que estreia nos EUA em alguns meses. Durante o processo, eu descobri o quanto nós, como comunidade, devemos a distribuidores de sacanagem como Chuck, que arriscaram suas vidas para nos ajudar a viver a nossa.

Veja bem, quando o movimento homófilo começou no começo dos anos 1950, o governo dos EUA não fazia qualquer diferenciação entre manifestos por direitos homossexuais, publicações eróticas gays ou fotografias pornográficas. Tudo era considerado ilegal, e usar o serviço postal para distribuir qualquer uma dessas coisas poderia acabar em longas penas de prisão, como realmente acontecia muitas vezes.

(No início da luta pelos movimentos LGBT nos EUA, os líderes tentaram adotar o termo “homófilo” ao invés de “homossexual”, por considerarem que o termo homossexual dava ênfase apenas ao lado sexual da atração pelo mesmo sexo, enquanto homófilo frisava o amor.)

Então não chega a ser surpreendente que os pornógrafos, que já tinham anos de experiência em travar essas batalhas, muitas vezes eram figuras proeminentes na liderança desse incipiente movimento homófilo. Jim Kepner, fundador da organização ONE National Gay and Lesbian Archives, era um renomado autor de contos eróticos gays. Hal Call, um dos primeiros presidentes da Mattachine Society, a organização pioneira de luta pelos direitos gays em San Francisco, era um diretor de filmes adultos e o dono da livraria Adonis.

Os pornógrafos não eram um problema, pelo contrário, eles surgiam como um trunfo estratégico para o movimento. Além de conhecerem as restrições legais (e saberem como burlar-las), eles tinham o dinheiro para enfrentar as discussões públicas sobre obscenidade que abriram o caminho para discussões mais amplas sobre sexualidade. Os pornógrafos foram as tropas de frente de nossa revolução sexual.

Organizações homófilas como a Mattachine e a Daughters of Bilitis tinham publicações, claro, mas seu alcance – muitas vezes com tiragem de poucos milhares de cópias – era minúsculo quando comparado ao de “revistas de poses” como Physique Pictorial e Tomorrow’s Man. Não foram os tratados políticos, mas a pornografia que estabeleceu o primeiro contato da maioria dos homens gays à cultura gay em geral.

(Proibidos de enviar revistas pornográficas pelo correio, os editores de revistas voltadas ao público gay se vendiam como “revistas de poses”. As fotografias de corpos musculosos com pouca ou nenhuma roupa, justificavam aos censores, eram publicadas para servir de referência a artistas e desenhistas que não dispunham de modelos vivos, mas ainda queriam praticar o desenho da figura humana. Outra justificativa muitas vezes usada era a de que os modelos demonstravam exercícios físicos para entusiastas do fisioculturismo.)


Talvez seja essa a razão por que, nos primórdios da liberação gay, a pornografia era aceita como uma parte vital de nosso tecido cultural. A primeira edição de The Advocate celebrava uma vitória judicial de dois pornógrafos, Conrad Germain e Lloyd Spinar – que haviam corrido o risco de passarem 145 anos na prisão por enviarem figuras de nu pelo correio – em sua primeira página. A sexualidade gay era subversiva e perigosa, e qualquer oportunidade de falar sobre ela, explicitamente ou não, era um golpe pela liberdade e visibilidade.

Numa época em que a mídia mainstream retratava os homossexuais como doentes patológicos, depressivos e criminosos, a pornografia oferecia uma alternativa mais ensolarada. Nós podemos rir hoje em dia dos teatros pornôs, mas ao erguer os olhos e assistir o que acontecia naquela tela, um homem no armário podia ver uma promessa de vida gay aberta e positiva, com homens heroicos que viviam corajosamente e sem vergonha, de maneiras que o espectador mal podia aspirar a ser.

A mesma promessa chegava para aqueles que viviam fora dos grandes centros urbanos na forma de revistas e filmes de 8 mm encomendados pelo correio – o empreendimento de Chuck Holmes. Como o dono da lendária Falcon Studios, Holmes tinha o alcance mais amplo entre os primeiros pornógrafos, e era assertivo de que deveria-se criar imagens que fariam os gays sentirem orgulho de sua sexualidade. Para dezenas de milhares de consumidores enrustidos em pequenas cidades espalhadas pelo país, aqueles filmes da Falcon eram o equivalente dos vídeos da campanha “It Gets Better” de hoje em dia.

Os pornógrafos contribuíram de muitas outras maneiras, é claro – bancando o movimento diretamente, emprestando recursos e canais de distribuição, educando o público a respeito do sexo seguro durante a crise da Aids, e emprestando suas listas de endereços para organizações que tentavam se estabelecer como a Human Rights Campaign Fund. (Chuck Holmes foi uma das pessoa que mais fez doações à HRC, e posteriormente integrou seu corpo de diretores.)



Mas conforme o movimento se tornou mais aceito pela sociedade, os cineastas do mercado adulto passaram a ser cada vez menos bem vindos; suas contribuições eram empurradas de volta para o armário. Seus cheques eram devolvidos, literal e metaforicamente. Apesar de seu trabalho incansável pelas causas gay e progressistas, Chuck permaneceu enrustido a respeito de seus negócios. Mesmo depois de morto, seu nome e seu dinheiro carregavam um estigma.
Essa é uma das razões por que eu decidi fazer Seed Money – como uma maneira de discutir sobre as contribuições desses primeiros cineastas gays para nossa cultura, e finalmente dar a pioneiros como Chuck o reconhecimento que merecem.

Não foi fácil. Algumas das pessoas que eu entrevistei ainda veem essa parte da história como um olho roxo do movimento, algo que vai nos ferir nas lutas políticas em questões como o casamento. Mas eu digo que, se nós permitirmos que nossa sexualidade seja uma fonte de vergonha, e escondermos nossa história para agradar nossos críticos, nós não temos nada desse orgulho que pensamos ter.

Visto no LadoBI 
Share on Google Plus

About Unknown

This is a short description in the author block about the author. You edit it by entering text in the "Biographical Info" field in the user admin panel.
    Blogger Comment
    Facebook Comment

0 comentários:

Postar um comentário