‘Sociedade democrática não pode ser guiada por dogmas divinos’, diz sobrevivente do Charlie Hebdo


Cartunista francês Laurent Sourisseau, que dirige a publicação, participou do 10º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, promovido pela Abraji, em SP.

“Vivemos tempo de intolerância”, definiu o cartunista francês Laurent Sourisseau, o Riss, sobrevivente do atentado ao “Charlie Hebdo”. À frente da publicação desde janeiro deste ano, quando extremistas islâmicos invadiram a sede jornal e mataram 12 pessoas, Riss cobrou a defesa da liberdade de expressão e afirmou que nenhuma sociedade democrática pode ser “guiada por dogmas divinos”.
Em palestra no 10º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo promovido pela Abraji, neste sábado, em São Paulo, Riss defendeu a utilização de caricaturas como instrumento de debate e crítica a tema que, para ele, ferem a democracia. Durante mais de uma hora de conversa, que contou com um forte esquema de segurança, o diretor do Charlie Hebdo explicou a história do cartunismo na França e de seu papel no fortalecimento da liberdade de expressão no país.
“Consideramos que uma sociedade democrática não pode ser procedida por dogmas religiosos”, afirmou Riss alertando: “As pessoas que fizeram isso [o atentado] não fizeram uma ataque à caricatura. As pessoas fizeram isso num outro contexto. São pessoas que querem impor um terror à democracia. As pessoas que estavam na Tunísia [onde dezenas de turistas foram mortos numa praia] não fizeram nada. [Aqui], a caricatura foi um pretexto para atentar contra a democracia.”
O francês disse ainda que há no mundo uma “privatização da censura” e que é necessário uma reação de todos que defendem a liberdade de expressão.
“Nos sentimos um pouco isolados. Quando lutamos pela liberdade é para que os outros também exerçam. Se ninguém utilizar, ela vai desaparecer. E é isso que os islamistas extremistas querem” disse, cobrando: “Agora, é hora dos outros fazerem exercer essa liberdade. Fazerem essa caricatura. Se ninguém reagir a isso, estamos colocando em risco a nossa liberdade de expressão.”
As marcas do ataque de 7 de janeiro à sede do Charlie Hebdo, em Paris, ainda estão vivas na memória de Riss. Enquanto o moderador da palestra, o defensor dos direitos humanos Frank La Rue, citava cada um dos cartunistas e jornalistas mortos no atentado, Riss repetiu o nome de cada colega.
“Os que ficaram [trabalhando no jornal após o atentado] estão fazendo acompanhamento psicológico. O cartunista Luz não aguentou e largou a profissão. Preferiu viver em segurança e não com seguranças.
Riss fez uma análise dos efeitos do ataque terrorista na imprensa francesa. Para ele, as manifestações que se sucederam à barbárie impressionaram, mas não trouxe grandes mudanças. O cartunista disse que Charlie Hebdo vai continuar sendo crítico a qualquer assunto e que o episódio não mudou o pensamento do jornal.
“O desenho tem de ter um sentido. Carregar uma reflexão. Só falamos do tema quando a atualidade os impõe”, explicou Riss.
Para ele, a maneira como o Charlie Hebdo foi retratado após os ataques levou a uma incompreensão do papel do periódico que, segundo Riss, teria ficado marcado pelas charges que satirizavam Maomé. O cartunista disse ainda que uma das preocupações é evitar que a crítica seja interpretada como um ato xenofóbico:
“Não confundir o direito à caricatura de religiões com estímulo à xenofobia. O Charlie respeita o direito à prática religiosa.”
Questionado no final do evento se ele estava otimista com o futuro, Riss foi taxativo:
“Não estou otimista, tento manter a cara de otimista, mas no fundo não estou. Mas somos cascudos o suficiente para enfrentar o que quer que seja.”
Investigação
A repórter investigativa Dana Priest, do Washigton Post, encerrou o 10º Congresso neste sábado. Vencedora de dois prêmios Pulitzer, ela explicou como revelou uma rede secreta montada pelo Pentágono para o combate ao terrorismo. Ela mapeou todos os centros de comando de investigação nos Estados Unidos através do cruzamento de dados públicos e investigação de rua. A série de matérias que ficou conhecida como Top Secrets of America, foi publicada em 2010 e, agora, virou livro.
Dana apontou ainda a política de segurança do governo Obama ainda mais dura e conservadora do que a de seu antecessor, George W. Bush. Questionada sobre as questões levantadas pelo Wikileaks, ela afirmou ainda que a espionagem entre governos não é um segredo e que as reações públicas de governantes espionados é muito mais uma resposta ao público doméstico do que para o governo americano.
Com informações de O Globo.
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