Casar ou não casar sendo um homem trans?


LUIZ FERNANDO UCHÔA*
Dizem que se relacionar é uma opção para as pessoas em suas vidas de acordo com seus anseios e necessidades. Para travestis, mulheres transexuais e homens trans, porém, é algo compulsório porque no caso de uma travesti ou de uma mulher transexual antes de sua transição, ao se relacionar com alguém, ela é vista como um homem afeminado e em uma relação homossexual.
Quando ela assume a sua transexualidade o seu antigo namorado não a assume, dizendo que não ficaria bem namorar um ‘traveco’, e, no caso de um homem trans, ao se relacionar com uma mulher antes de sua transição é visto como ‘lésbica masculinizada’. Quando assume a sua transmasculinidade muitas vezes é abandonado ou, se a relação segue em frente, a mulher insistir em não respeitar plenamente o seu verdadeiro gênero.
Agora, quando travestis ou mulheres transexuais são lésbicas, bissexuais ou até pansexuais, e homens trans são gays ou também quando possuem uma orientação sexual distinta da heterossexual estas pessoas ouvem comentários grosseiros de todo tipo como, por exemplo, ‘fez de tudo para virar mulher’ e agora vai ‘ficar com mulher’ ou ‘fez de tudo para virar homem para ficar com homem’ ou se não ‘fez cirurgias ou se hormoniza para ficar com todo mundo e fica nessa promiscuidade’.
Distinção
Nem todos entendem que orientação sexual não se relaciona com identidade de gênero. E devido às pressões dessa sociedade para que seus corpos se encaixarem em um padrão heteronormativo cisgênero desencadeiam patologias como a depressão e muitas pessoas travestis e transexuais tentam o suicídio.
Há alguns exemplos de travestis, mulheres transexuais e homens trans que conseguiram manter um relacionamento amoroso, que conseguiram evoluir para um casamento. Mas vivemos em um País em que a retificação de nome e sexo para estes (as) é algo burocrático e moroso, impedindo muitas vezes que ocorra o casamento civil porque, dependendo dos casos, as uniões seriam consideradas homossexuais sendo que, na verdade, seriam heterossexuais.
A pressão das famílias e da sociedade dos (as) parceiros (as) de travestis e transexuais acabam por fazer essas histórias de amor e paixão serem perdidas e acontece a solidão compulsória. Há a procura por pessoas em aplicativos, sites de relacionamentos, encontros ou nos mais variados mecanismos e muitas vezes resultam em sexo casual ou relacionamento passageiro.
Determinação
Quando se tem uma sociedade que determina que a masculinidade ou feminilidade de alguém seja baseada em genitálias ou em características físicas, e não na autodeclaração e no sentimento da pessoa, não é se possível realizar casamentos ou relacionamentos duradouros para travestis e transexuais.
Pansexuais que se envolvem com travestis e transexuais são confundidos como promíscuos ou indecisos pelo fato de as pessoas acreditarem que se envolvem até com plantas. E ao se envolverem com TTs muitos (as) preferem continuar o envolvimento com cis por acharem que não mais serão vítimas duplamente de preconceitos dos mais diversos dentro e fora do meio LGBT.
Casamento seria a união de pessoas que nutrem um sentimento mútuo de desejarem estar próximas e partilharem suas vidas. Só que no modelo tradicional de casamento há papéis definidos de quem deva ser o feminino ou masculino dessa relação e ele só pode permitir até duas pessoas.
Diante de um cenário tão hostil às indagações do que seja ou não para travestis e transexuais atualmente:
Será que o casamento é possível para travestis e travestis?
Será que ele é o correto para todos (as)?
Será que esse amor monogâmico é para todos (as)?
Será que só o modelo heteronormativo cisgênero abarca todas as formas de amar e de ser?
Será que o amor vigente aprisiona ou liberta?
Será que o amor e paixão consegue superar todas as opressões sociais impostas a travestis, mulheres transexuais e homens trans?
Será que sentir ter um corpo em processo de adequação para o gênero real e verdadeiro me tornar incapaz para me satisfazer sexualmente?
Será que o corpo trans tem condições de ser atraente em uma sociedade heternormativa cisgênera?
Estes questionamentos poderiam ter respostas positivas se as pessoas estivessem dispostas realmente a revisar os conceitos acerca do que seja masculinidade ou feminilidade e se as religiões e o sistema social não fossem fatores fortes para a construção do padrão aceitável das relações.
Por mais que atualmente existam correntes das mais diversas que visam desconstruir o machismo e LGBTfobia do nosso cotidiano, isso se desvai quando temos nos municípios religiosos abolindo a palavra gênero das discussões dos Planos Municipais de Educação para os próximos dez anos.
Sem essa discussão feita no ambiente escolar teremos homens acreditando que podem violentar mulheres dependendo da roupa que ela esteja usando, pessoas agredindo travestis e transexuais por estas pessoas serem o que são e as impedindo de ter acesso a educação e também reforçando a ideia de quem homens e mulheres são aqueles nascidos com pênis ou vagina.

Empregos

Hoje temos de lutar para se ter acesso a oportunidades de emprego de acordo com as nossas formações adquiridas antes de nos assumirmos travestis ou transexuais, para retificar nome e sexo de acordo com o nosso real gênero. Para crianças e adolescentes travestis e transexuais terem acesso aos bancos escolares e no futuro poderem ter acesso a uma universidade livre de transfobia, e que pais e mães possam aceitar seus filhos e filhas para, assim, não serem expulsos (as) de suas casas. E que travestis e transexuais adultos (as) possam ter acesso ao mercado de trabalho formal.
Por estas demandas acima e para vivermos em um mundo tão hostil às diferenças, não acredito que casamento como conhecemos seja uma opção para travestis e transexuais.
Você que é homem trans, travesti ou mulher transexual não desista de ser quem é mesmo diante de todas as adversidades apresentadas. Pois se assumindo e lutando por seus direitos facilitará a sua vida e a de outras pessoas para assim um dia termos um mundo equalitário onde todos (as) possam ser diferentes e viver dignamente sem ter de lutar por migalhas jurídicas e assim ter casamentos de travestis e transexuais sem serem encarados como noticia de primeira página de um site, blog ou jornal qualquer.


 *Luiz Fernando Prado Uchôa é militante e ativista independente de Direitos Humanos LGBT, estudante do 6º semestre de Comunicação Social – Jornalismo na Universidade Guarulhos, idealizador do blog Arco Iris Literário que tem como objetivo difundir literatura LGBT através de resenhas literárias.
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