Na última
sexta-feira (12/6) recebemos em nossa igreja uma equipe jornalística da
Rede Globo de Televisão. Seu objetivo era o de fazer um documentário
sobre intolerância religiosa. Tão logo fui contatado pelo diretor de
jornalismo, topei o desafio de recebê-los. Segundo ele, o que teria
chamado a atenção para a Reina era sua proposta de coexistência
harmoniosa com qualquer religião ou segmento social.
Justamente num
momento em que o País parece viver o limiar de uma guerra nada santa,
protagonizada por grupos evangélicos extremistas, considerei que esta
poderia ser uma oportunidade de ouro para mostrar o outro lado. Nem
todos pautam seu discurso no ódio, no preconceito, num moralismo
radical.
Sempre ouvi que
em se tratando de TV, uma imagem fala mais do que mil palavras.
Senti-me impulsionado a fazer algo que talvez pudesse despertar a
consciência de muitos quanto à necessidade de se resgatar a mensagem
central do evangelho: o amor.
O primeiro
desafio seria lotar a igreja em plena sexta-feira às 8h30 da manhã. Para
a surpresa de muitos, nosso povo atendeu ao nosso convite em cima da
hora, lotando as dependências da Reina do Engenho Novo, bairro do
subúrbio carioca.
Convidei algumas pessoas para que representassem segmentos sociais que têm sido vítimas de intolerância,
não apenas por parte das igrejas, mas também por parte da própria
sociedade. Após algumas canções de louvor e a ministração de uma palavra
(ambas registrados pelas câmeras da TV), pedi que essas pessoas
subissem ao púlpito. Entre elas, alguém representando a comunidade LGTB,
outra representando os cultos afros (ambas vestidas à caráter), uma
portadora de necessidades especiais, um negro, uma Boliviana que foi
explorada no país, um sociólogo que professava o ateísmo e uma bióloga
representando a ciência. Pus-me de joelhos e com uma bacia cheia d’água,
comecei a lavar e beijar seus pés, rogando que nos perdoassem por toda a
discriminação sofrida. Na plateia, lágrimas. A presença de Deus era
nítida entre nós. Era como se o abismo profundo que nos separava fosse
finalmente transposto.
A cerimônia de
lava-pés foi sucedida por uma entrevista com perguntas polêmicas sobre a
postura que a igreja evangélica tem adotado para com aqueles segmentos.
Deixei a igreja
com aquela sensação de missão cumprida. Antes, porém, postei as fotos
registadas com o meu smartphone em meu perfil no facebook.
Ao chegar a
casa, qual foi minha surpresa ao me deparar com a reação de muitos. Fui
julgado, execrado, chamado de herege, liberal e outros adjetivos que
prefiro não postar aqui. Ninguém se sentiu ofendido ao me ver ajoelhado
aos pés de uma portadora de necessidades especiais, nem mesmo aos pés de
um ateu (que converteu-se ao Senhor). Mas, ver-me de joelhos aos pés de
uma “mãe-de-santo” e uma “transexual” parecia inadmissível. Houve quem
dissesse que eu havia me ajoelhado diante de Satanás.
Fui bombardeado
de perguntas do tipo: Você devolveria a gentileza e visitaria um
terreiro de candomblé? Você participaria de uma cerimônia num centro de
umbanda? Você aceitaria pregar numa igreja gay? Teria coragem de ir a
uma Parada Gay?
Disseram até
que lavar os pés daquela gente significava concordar e endossar suas
crenças e valores. Segundo alguns, em vez de lavas os pés, eu deveria
adverti-los quanto ao fato de estarem à caminho inferno caso não se
convertam à fé cristã.
Devo confessar
que tais reações me deixaram profundamente triste. É difícil acreditar
que esses irmãos (sim, insisto em chamá-los desta maneira) estejam lendo
a mesma Bíblia que eu.
A primeira
cerimônia de lava-pés foi protagonizada por Jesus. O texto bíblico diz
que antes da páscoa, “sabendo Jesus que já era chegada a sua hora de
passar deste mundo para o Pai, como havia amado os seus que estavam no
mundo, amou-os até o fim.” Portanto, que o moveu a desnudar-se ante o
olhar escandalizado dos discípulos e a lavar-lhes os pés feito um
serviçal qualquer não foi outra coisa se não o amor. Um amor totalmente
incondicional, isto é, que independia de qualquer coisa que fizessem ou
deixassem de fazer. Lembremo-nos de que entre os discípulos estava
Judas. Quando chegou a sua vez, ele teve a ousadia de levantar o
calcanhar como se dissesse: Se é para lavar, lava direitinho. Mesmo
assim, Jesus não deixou de lavar os seus pés. Ele o amou e o amou até o
fim.
Como poderíamos
pregar para quem não nos dispuséssemos a acolher? E como acolher a quem
não amássemos? E como amar a quem não estivéssemos dispostos a servir?
Houve alguém
que demonstrou estar escandalizado pelo simples fato de termos recebido
tais pessoas em nossa igreja. Para o tal, elas nem sequer deveriam ser
aceitas ali, quanto mais ter seus pés lavados.
Se alguém se
escandaliza com tão pouco, imagine se vissem Jesus elogiando a fé de um
centurião, devoto dos ídolos romanos, e ainda por cima, dizendo que
jamais encontrara tamanha fé nem entre os crentes judeus. E se o
flagrassem num papo descontraído com uma samaritana em plena luz do dia?
E se presenciassem Sua brilhante defesa daquela mulher pega em
adultério, impedindo que fosse sumariamente executada no pátio do
templo?
É tempo de
construir pontes e não de escavar abismos. Não quero ver meu país
dividido numa guerra estúpida, que de santa não tem nada. Gente, mais
amor, menos rancor, por favor. Afinal, Deus nos confiou a palavra da
reconciliação, não da condenação. O mesmo Espírito que agiu através de
Martin Luther King nos Estados Unidos e de Mandela na África do Sul,
impedindo que seus países se mantivessem divididos pela segregação, está
persuadindo homens e mulheres a emprestar seus lábios para destilar Sua
graça e amor.
Infelizmente,
há entre nós muitos que escolheram julgar, discriminar, odiar, mas ainda
há tantos outros que, constrangidos pelo exemplo de Cristo, escolheram
amar e amar até o fim.
Hermes C. Fernandes colabora com o Genizah
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