Entre quatro paredes: o machista de esquerda


Tornou-se comum ver a seguinte frase em espaços de militância: nada mais parecido com um machista de direita do que um machista de esquerda.

O dito é impactante pelo teor de verdade que carrega. Não é preciso ir muito longe para entender que, se a direita luta pela manutenção de privilégios de poucos em prejuízo de muitos, então a esquerda devia lutar contra todo tipo de privilégio e em favor do máximo de igualdade. Isso evidentemente inclui questões de classe e a luta maior é contra o avanço destruidor do capital (sim, Marx). Porém me parece autoevidente que a opressão não é igual para todas as pessoas: não é igual para mulheres em relação a homens, ou gays em relação a héteros, trans e cis, negras e brancas, pessoas não binárias e por aí vai. Se o machista de esquerda se sente confortável em desfrutar da opressão de 52% da população mundial, então ele nem de esquerda é. Simples.

Mas nem tanto. Porque o machista de esquerda é muito diferente do machista de direita. Ele é fofo.
O machista de esquerda é um fofo: agrada sua mãe e suas amigas, usa flor no cabelo, fala olhando no olho e sempre parece profundamente interessado no que você tem a dizer. Ele parece um cara sensível, tolerante, inteligente e bom partido. Não é difícil se apaixonar pelo machista de esquerda. Ele não coça o saco, não arrota em público, não assedia mulher na rua. Ele gosta que você seja inteligente e não liga para a sua aparência. O machista de esquerda é quase perfeito.
O que fode é o quase.

Entre quatro paredes, ele deixa a casa imunda e diz que não se incomoda de comer lixo na rua todos os dias pra não ter que cozinhar. Você cozinha porque você se incomoda. Você limpa a casa sozinha porque você é neurótica e burguesa, porque não há problema algum em viver num chiqueiro.

Evidentemente, ele sempre come a comida que você cozinha e até chama os amigos para jantar depois que você se matou na faxina o dia todo enquanto ele revisava suas anotações de A origem da família, da propriedade privada e do Estado. E depois do jantar agradável ele toma a iniciativa pública de lavar a louça, afinal ele é fofo e super reconhece o seu trabalho.

Ele não liga para a sua aparência, ele gosta mesmo é da sua inteligência. Fofo. Mas devagarzinho ele vai deixando claro que é uma cara tão, tão legal, que te ama apesar da sua aparência. Como ele é sensível, ele nunca te critica - nem muito menos elogia. Nunca. E com uma certa frequência, deixa escapar comentários elogiosos sobre mulheres muito mais magras/altas/jovens/peitudas/etc. do que você. Sem maldade, olhos de esteta. E você fica grata ao esquerdomacho por ele te amar assim, acima das coisas mundanas. E sua autoestima despenca a cada dia.

Mas da sua inteligência ele gosta mesmo. Só fica meio puto quando você se sai melhor que ele em seja lá o que for, afinal ele também é humano. E te lembra sempre de que você não tinha nenhuma direção intelectual antes de conhecê-lo e que não teria sido capaz de fazer nada do que fez se não fosse por ele. Ele é o seu eterno co-autor. Sorte sua ter encontrado um cara tão generoso.

Por fim, ele não assedia mulheres na rua. Ele é sensível. Mas se você se queixa do assédio que sofre, ele diz que é exagero. Ele não estupra mulheres, mas não entende porque aquela conhecida velha e feia foi estuprada. Ele não te estupra, mas fica muito bravo se você não quer transar. E bate portas e se tranca no quarto e deixa você ali se sentindo miseravelmente culpada.

Eis o esquerdomacho entre quatro paredes. Igual ao machista de direita, mas com muito mais bala na agulha da manipulação e do abuso. Afinal, todo mundo sabe que ele é fofo.

por Anna P. 
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